É muito comum que matrículas de imóveis rurais ainda sem regularização em conformidade com legislação vigente (Lei 6.015/1973, Decreto 4.449/2002 e normativas do INCRA) possuam descrição tabular precária, sem pontos de referências e amarrações geodésicas que possibilitem a localização do imóvel com precisão. Algumas dessas matrículas mais antigas possuem descrição que podemos até brincar dizendo que são “poéticas” ao descrever o imóvel, pois possuem excertos como “…segue em linha reta até onde a vista alcança…” ou “…segue em linha até encontrar com toco queimado do carvalho, deste vira à direita…”, restando em aberto até onde avista de um ou de outro alcançaria para demarcar determinado local! Outra questão muito comum é que ao ler uma matrícula que possua rumos e distâncias, o leitor desta acredite que este imóvel possa ser facilmente localizado, sem considerar que para localizar um imóvel com exatidão é necessário que este esteja georreferenciado e em casos em que este ainda não seja georreferenciado é importante que na descrição do imóvel existam pontos de referências que sejam imutáveis (que são referências que não deixam de existir e nem sejam alterados ao decorrer do tempo).
Não é de hoje que percebemos a dificuldade de investidores terem assertividade quanto a área que estão adquirindo. Muitas vezes recebem informação sobre uma terra que acredita ser a que está adquirindo, mas ao tentar entrar no imóvel ou tentar regularizar a matrícula é impedido por terceiros/ocupantes que afirmam que sua matrícula não é neste local que lhe haviam informado, iniciando assim um litígio que pode perdurar por anos envolvendo custo não previsto ao investidor.
Em nosso último trabalho, identificamos um erro na localização do imóvel e pudemos alertar o fato ao investidor há tempo de ele não concretizar a aquisição do imóvel. No caso, o investidor havia recebido informação sobre a localização de sua matrícula de interesse, mas ouviu rumores que havia alguma discussão acerca da posse/ocupação da área e nos procurou para entender melhor a situação antes de formalizar a aquisição. Quando analisamos o imóvel, descobrimos que os pontos de referência da localização do imóvel descritos em matrícula não eram pontos imutáveis e ao analisar a cadeia dominial do imóvel constatamos que ele permaneceu com sua área e descrição geométrica originária desde seu título primitivo até um desmembramento ocorrido na década de 70, data em que as matrículas resultantes do desmembramento sofreram alterações. Neste caso as alterações ocorreram nas descrições geométricas que apontavam os rumos das faces Norte e Sul, resultando em uma mudança de 45° no sentido destas linhas, gerando um efeito mirror (espelhamento) nas figuras das áreas desmembradas, o que descaracterizou o polígono original do imóvel, e permitiu fosse facilmente encaixado em qualquer outro imóvel com ocupação semelhante a esta do novo polígono. Em adendo, constatamos que o imóvel não apenas não estava no local indicado, como na realidade localizado 100% dentro de uma reserva indígena. Ou seja, se o investidor não tivesse contratado estudo prévio acerca do imóvel, poderia acabar adquirindo o imóvel e consequentemente entrando em uma demanda judicial com diversos custos e jamais lograria êxito em ocupar a área.
Essas descrições precárias, deslocamentos de áreas e distorções na descrição dos imóveis (principalmente imóveis rurais) são mais comuns que imaginamos. Não é raro encontrar matrículas com situações semelhantes a esta do caso descrito acima.
De todo modo, sempre afirmamos que antes de se adquirir um imóvel (seja ele rural ou urbano) é de extrema importância que seja feita a solicitação e análise dos documentos que cercam cada caso, além da confirmação da localização do título, com aprofundamento em determinados temas e plano de ação sugerido para imbróglios encontrados, pois muitas das vezes há soluções possíveis para questões registrais, fundiárias, débitos e socioambiental, por exemplo. Porém, há situações em que o imóvel sequer existe no local indicado, razão pela qual a localização é o passo inicial para uma diligência acurada e que promova total segurança jurídica ao investidor.